As fortes chuvas em São Paulo deixaram milhares de pessoas sem acesso à energia elétrica por vários dias. A pachorrenta resposta da Enel resultou em uma situação caótica. A concessionária já não vinha bem. Pesquisa da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de 2022 mostra que menos de um quarto dos consumidores optaria pela Enelse tivesse a opção de comprar energia de outra empresa. Aqui está o cerne do problema: a privatização de um monopólio natural é melindrosa. A ausência de concorrência torna o trabalho das agências reguladoras muito mais difícil, já que cabe a elas a reconstituição, em condições de laboratório, dos estímulos e restrições que um mercado competitivo naturalmente provê.
A embrulhada com a Enel joga luz (se houver luz) sobre a anunciada privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Aqui, também estamos diante de um gigantesco monopólio natural. A Sabesp é uma das maiores companhias de saneamento do mundo. O regulador deve escolher com precisão cirúrgica as normas que comandarão as revisões tarifárias, além de garantir estímulos para o aumento contínuo da produtividade. Será também o regulador quem definirá, ao longo do tempo, a divisão dos ganhos proporcionados pela maior produtividade, se para os consumidores, mediante uma tarifa mais baixa, ou para os acionistas, através de maiores lucros e dividendos. A política tarifária também tem a difícil função de compatibilizar a necessidade de garantir o acesso à água a todos (um direito consagrado pela ONU desde 2010) com o imperativo de induzir, através do preço, o uso sem desperdícios de um bem escasso e fundamental. A água é barata no Brasil. O peso dos gastos com água e saneamento nos gastos das famílias, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), não chega a 2%, menos da metade do que pesa a energia elétrica. A regulação é extremamente complexa e há copiosa literatura sobre dezenas de casos de empresas de saneamento no mundo que foram privatizadas, fracassaram e tiveram que voltar ao controle estatal.
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A Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp), órgão regulador da Sabesp, não tem estrutura atualmente para regular uma empresa privada dessa magnitude. Os problemas não são maiores hoje porque, sendo estatal, a empresa não tem estímulos para pressionar o regulador com o objetivo de maximizar o seu lucro e a remuneração de seus executivos. É outra lógica. Há genuína convicção entre seus técnicos de que a empresa tem uma função social. Uma Sabesp privatizada poderá comer, com farofa, o regulador, manipulando-o de forma a fazer precer o seu interesse imediato, em detrimento do bem comum. Privatizar a Sabesp sem valorizar a agência que vai controlá-la é uma temeridade.
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