Estava para começar minha fala na Biblioteca Pública de Jacareí, quando a escritora Jaiane Batista e Lucídio, ambos da equipe da Viagem Literária, me entregaram, com ar maroto, um pacotinho. “Ainda existe”, disseram. Ansioso, abri. E me vi com 9 anos, no trem da Central a caminho de Aparecida. Ao parar na estação de Jacareí, os vendedores abordavam passageiros, oferecendo o célebre biscoito local.
Meu pai preferia descer e, longe da confusão, comprar um pacote para mim e meu irmão Luis. Mamãe ficava agoniada: “Qualquer dia, Totó, você perde o trem e aí vamos ver!”. Por décadas a cena se repetiu nas viagens anuais de julho. O biscoito era aguardado com ânsia. Puro prazer. Oitenta anos depois, aquele momento me foi devolvido. E olhando para ele não senti o tempo, as duas horas de conversa acabaram sendo três.
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Perdi a conta de quantas Viagens Literárias fiz. Esta, pelo Vale do Paraíba, foi especial, acabou sendo também por dentro de mim. Dali, segui para a Biblioteca Solidária Sidnei Pereira da Rosa, em São Francisco Xavier, onde falei em um terraço, que a mim, pela magia, pareceu um salão de cristal rodeado por jardins.
No final, Patricia Ioco, da biblioteca, sussurrou: “O senhor dialogou com crianças, adolescentes, jovens, adultos, idosos e cada um sentiu que era para ele. Transcendeu gerações”. Alívio, já que vivo em perpétua angústia, a pensar para quem escrevo.
Nas Viagens Literárias os escritores se fazem, refazem, aprendem, ensinam. Ao chegar a Guararema, fomos direto à Igreja de Nossa Senhora da Escada – Morada de São Longuinho, construção do século 17. Naquela época, os indígenas colocavam junto à sepultura de seus mortos um farnel com comida e uma escada, para que as almas subissem até Tupã. Quanto a São Longuinho, que nos ajuda a encontrar coisas perdidas, foi um soldado romano, pequenino, que achava tudo o que os outros perdiam. A imagem dele está em minha estante. Posso, súbito, perder a cabeça ou as ideias.
Ao dar um passeio em Guararema, não acreditei. Na cidade não há semáforos, põe-se o pé na rua, todos param. Cidade florida, cuidada, atravessada por uma linha férrea, o “Trem da Camaradagem”, que funcionou entre 1899 e 1980. A estação ferroviária está sendo restaurada. Um primoroso livro, da Capella, editora local, existe sobre esse ramal.
A biblioteca foi dos melhores espaços para livros que vi, arquitetura de aço e vidros, elevadores, auditórios, salas de estar. E sessão lotada à tarde. Cada um trazia nas mãos um bloco de notas, fac-símile dos meus, delicada lembrança. À noite, enorme temporal. Cheguei seguro de que falaria para ninguém. Engano, sala cheia, agradeci a São Longuinho!